quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Ainda naquele bar

1934, estou no bar do Hotel, sentada ao balcão. De olhos fechados e sorriso estampado, abano ligeiramente a cabeça, numa cumplicidade estreita com a música. O piano tira-me do sério, sempre tirou. Tenho de descruzar as pernas e aproveito para ir lá fora fumar um cigarro. Eu sei que posso fumar aqui, mas preciso desanuviar. De cigarro na boca e sangue de mulher vivida dos pés à cabeça, aceito lume de um estranho.

Dou o primeiro bafo. Olho em frente e pergunto-lhe se costuma vir aqui. Responde-me que não, que não é de cá e este foi o primeiro bar que viram. Não está sozinho, penso. Costumo preferir homens solitários.
Uma rajada de vento levanta o canto da saia e procuro socorrer rapidamente o meu joelho exposto. Vê-me atrapalhada e diz para ficar descansada, que não viu nada. Sorrio e digo-lhe que vou entrar, está a dar a minha música preferida.
Volto para o meu lugar. Há menos pessoas agora, é intimista esta sala. Começa a música. Uma sensação de conforto sobe-me o pescoço. A manga solta do meu vestido desce compasadamente pelo braço com uma vida lenta. É isto que o Jazz me provoca, uma viagem à mais escondida sensualidade. Levo os lábios ao copo e bebo mais um bocadinho do meu whisky com precisamente duas pedras de gelo. A sensação quente agora é provocada, eu sei. Mas ele entra e senta-se numa mesa sozinho mesmo ao lado do palco. Afinal está sozinho. Viro-me de costas e peço um cinzeiro. Sinto-me traída e ainda só troquei algumas palavras com ele. Não cedo e continuo a falar com o empregado do bar. Oiço passos, a cadeira de balcão a rodar e uma mão com um fósforo aceso. Penso que vai precisar disto, diz. Aceito. Olha para o meu copo e pede o mesmo.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Melhor ainda... Desculpa ter-me esquecido dos teus anos. Sou desnaturada mas gosto de ti. Parabéns. Dedico-te este texto, a ti que sabes bem quem és :)

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